Carta 002

Oi, bebê lindo!

Acabei de falar com a tua bisavó Eloísa. Mamãe ainda não contou pra ela nem pra vovó Carmen, porque quero falar com o papai antes. E o papai ainda não chegou aqui! Ele é assim mesmo, filhote, mas não se preocupe que a missão de te pegar no colégio eu não deixarei pra ele, farei eu mesma.

Tenho certeza que a bisa ficará muito feliz com a notícia. E vai te mimar mais do que mimou a mamãe - o que alguns dizem que me "estragou". Se isso é estrago, quero que ela te estrague muito também! Eu só lamento muito, muito mesmo, que você não conhecerá o bisa Valdir, pois ele foi pro céu e nos deixou no mês passado. Esse sim iria te "estragar". Quando eu era pequena ele fazia tudo o que eu queria. Ok, verdade seja dita: ele fez tudo por mim sempre e continua a fazer, tenho certeza disso.

Uma das lembranças mais fortes que tenho da minha infância foi quando incomodei horrores até que ele comprasse o Fofão pra mim. Fofão, meu amor, era um personagem da televisão dos anos 80, eu tenho ele até hoje, mas só posso te mostrar depois de mais grandinho, porque ele é assustador. Será que éramos estranhos por adorar um bicho peludo e todo enrugado que dançava e cantava pra nós? Enfim, tua geração também terá essas coisas que serão bizarras no futuro.

O bisa não está mais com a gente aqui, mas ele está nos olhando lá de cima; ele virou uma estrelinha agora, a estrelinha mais brigona e respondona que tem. Ele deve ficar teimando em noites feias para aparecer, pra chamar atenção. Ele era assim com os outros. Menos comigo, que ele amava incondicionalmente - exceto quando a mamãe chegava tarde das festas...

Estou ansiosa para que nossa família saiba, mas pra isso o papai precisa chegar aqui, né... Espero que tu não herde essa ansiedade de mim.

Fique bem, amo-te muito!

"Le pedí al Señor que me diera un amor... Nunca pensé sería tan profundo..."

(ao som de Los Piojos - Canción de Cuna)